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A inflação dos alimentos e queda na popularidade de Lula

  • Foto do escritor: Edmilson  Costa
    Edmilson Costa
  • 2 de abr.
  • 12 min de leitura

Edmilson Costa*

O governo Lula está colhendo os resultados amargos da política ortodoxa implementada pela área econômica num setor mais sensível para a maioria da população, que é a inflação dos preços dos alimentos, cujo aumento atingiu os principais produtos da cesta básica. É bem verdade que não é apenas a política econômica responsável pela inflação: existem outros fatores que contribuem para a formação dos preços. No entanto, as escolhas políticas do governo são determinantes tanto para a escalada inflacionária quanto para a restrição dos mecanismos para combater a inflação. Quando as medidas tomadas estão no campo da macroeconomia ou mesmo em pacotes fiscais que atingem setores específicos da sociedade, torna-se difícil a percepção da sociedade no curto prazo. Mas quando a inflação atinge os produtos da cesta básica, imediatamente a população reage porque o aumento do custo de vida atinge diretamente o bolso dos consumidores.

Nos últimos meses comprar comida ficou mais caro e isso é um dos principais fatores que explicam a queda de popularidade do governo Lula. Em 2024 a inflação dos alimentos fechou o ano em 7,69%, quase o dobro da inflação geral do País, que foi de 4,83%. Mas se observarmos especificamente os produtos que compõem a cesta básica, o aumento dos preços foi ainda maior, 14,22%, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Os alimentos que tiveram os maiores aumentos foram café torrado (39,60%); óleo de soja, 29,22%; carne (25,25%); leite (18,83%); e arroz (8,24%). Alguns produtos tiveram crescimento negativo, como feijão (-8,58%); margarina (-5,25%); farinha de trigo (-2,75%); e farinha de mandioca (-1,77%) (Tabela 1). Nos últimos dois meses de 2025 os percentuais dos produtos básicos registraram aumentos ainda maiores.


Tabela 1. Inflação dos alimentos da cesta básicas 2024 (%)

Café torrado

39,60

Óleo de soja

29,22

Carne

25,25

Leite

18,83

Arroz

8,24

Muçarela

3,75

Espaguete

-0,15

Açúcar refinado

-0,41

Farinha de mandioca

-1,77

Farinha de trigo

-2,75

Margarina

-5,25

Feijão

-8,58

Fonte: Associação Brasileira de Supermercados

 

No que se refere especificamente a cesta básica, os preços praticamente triplicaram em 2024, o que sinaliza um impacto muito forte no bolso dos consumidores mais pobres da população, justamente o setor que gasta a maior parte de seu dinheiro com alimentos. Isso porque a questão alimentar impacta diretamente no cotidiano das classes populares e médias, tornando-se um termômetro imediato da percepção de bem estar econômico. Ressalte-se ainda que os produtos básicos fazem parte daquilo que os economistas denominam de demanda inelástica, ou seja, são bens essenciais que as pessoas são obrigadas a comprar independentemente dos preços. Ou seja, se há algo que pode corroer a popularidade de qualquer governo, como a história nos ensina, é a inflação nos preços dos alimentos.

Mas em relação à queda na popularidade do governo Lula existe ainda um fator adicional, que é a frustração das expectativas do eleitorado, especialmente os de menor renda. Este setor da população, após o desastre dos quatro anos do governo Bolsonaro, esperava uma mudança rápida nos rumos da política econômica, afinal o governo prometeu reconstruir o País e colocar os ricos no imposto de renda e os pobres no orçamento. No entanto, a realidade está sendo muito diferente: o governo anunciou o arcabouço fiscal, que na prática é apenas um teto dos gastos um pouco melhorado, implementou um pacote para reduzir o reajuste do salário mínimo e o Benefício da Prestação Continuada (BPC) e agora essas medidas antipopulares se combinam com a inflação dos alimentos, constituindo-se em um combo que vem impactando diretamente no bolso dos consumidores.

Muitos articulistas, buscando defender o governo Lula, afirmam que a inflação dos alimentos não é um problema brasileiro, mas um fenômeno global, em função do aumento dos preços das commodities. Esse argumento tem um fundo de verdade apenas na aparência porque se observarmos o aumento dos preços dos alimentos, tanto nos países do G20 quanto da América Latina, o Brasil está colocado entre os cinco primeiros na escalada inflacionária dos alimentos. Por exemplo, entre os países do G20 o Brasil é o quinto colocado entre os países que tiveram os maiores aumentos dos alimentos.[1] E se analisarmos apenas na América Latina veremos também que o Brasil está entre os quatro países com os maiores preços desses produtos básicos (Tabela 2). Portanto, mesmo levando em conta o aumento dos preços das commodities, a inflação brasileira dos alimentos está entre as cinco maiores do mundo.

 

Tabela 2. Inflação dos alimentos em países da América Latina 2024 (%)

Argentina

94,7

Venezuela

21,9

Bolívia

15,4

Brasil

7,7

México

4,4

Chile

3,7

Guatemala

3,8

Colômbia

3,3

Equador

0,1

Peru

0,1

Fonte: Poder 360 a partir de dados da Austin Rating


Principais causas da inflação dos alimentos

Antes de avaliarmos os elementos que estão produzindo impactos no preço dos alimentos, é importante mais uma vez lembrar que a política de aumento da taxa de juros realizada pelo Banco Central é irracional e não tem praticamente serventia para reduzir os preços, pois os juros internos não podem interferir no clima e muito menos na formação dos preços internacionais das commodities. Serve somente para privilegiar os setores rentistas da economia. Em vez de conter a inflação, contribui para agravar a situação da economia, pois encarece o crédito, desestimula o investimento no setor produtivo e leva o País à recessão. Além disso, o ajuste fiscal limita a capacidade de intervenção do Estado na economia e reduz os incentivos à produção agrícola, especialmente dos pequenos produtores. Como o modelo agroexportador está voltado à produção para o mercado externo, esse é mais um fator que limita a oferta de produtos essenciais para a população.

Em outros termos, mesmo levando em conta que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o País se ressente de uma contradição estrutural na sua produção do campo, pois o modelo agrícola, baseado na monocultura voltada para o mercado externo, torna secundária a produção de alimentos para o mercado interno e ainda nos deixa vulnerável às oscilações dos preços internacionais das commodities, cuja formação é controlada pelas grandes corporações transnacionais. Com essa estrutura, o Brasil fica subordinado à lógica do mercado global: os produtores do agronegócio preferem plantar soja e milho para alimentar gado e porco na China do que produzir para o mercado interno.

Mas, quais os principais fenômenos que provocaram a inflação dos alimentos? A inflação dos alimentos no Brasil é uma combinação de fatores externos e internos. Para efeito desse artigo vamos elencar três fenômenos principais: os eventos climáticos, a desvalorização do real e a política de taxas de juros elevados. 

a)    Eventos climáticos: os problemas climáticos desempenham um papel importante no aumento dos preços agrícolas, porque afetam especialmente a produção, a oferta de bens e os custos de transporte. Eventos como secas prolongadas, enchentes ou o el niño contribuem para a queda na safra e redução da produtividade de lavouras como soja, milho café, arroz e feijão, além de aumento nos custos de transporte. As ondas de calor ou as geadas também impactam negativamente na produção agrícola porque danificam as plantações, reduzem o plantio e aumentam os gastos com irrigação. Como o governo não possui estoques reguladores, a queda na produção leva ao aumento dos preços, especialmente dos alimentos, o que prejudica diretamente a maioria da população.

b)    Desvalorização do real: A desvalorização da moeda brasileira tem um impacto direto em relação ao aumento dos preços, particularmente dos alimentos, porque grande parte da produção agrícola brasileira depende de insumos importados, como fertilizantes, defensivos agrícolas, combustíveis, além de maquinário agrícola. Com a desvalorização do real frente ao dólar, a importação desses produtos fica mais caro, elevando os custos para os agricultores porque eles precisarão dispender mais reais para adquirir esses produtos. Como consequência, há um aumento dos custos de produção e esse aumento é repassado para o preço final dos alimentos, o que leva a uma escalada da inflação. Como se sabe, o dólar tem aumentado bastante nos últimos anos, mas o Banco Central se mostra tímido para a intervir no mercado, em função do câmbio flutuante e das pressões do mercado financeiro, o que tem elevado de maneira acentuada os custos internos.

c)    Aumento da taxa de juros: O aumento das taxas de juro afeta o conjunto da economia, especialmente o crédito para os produtores, além da redução da demanda interna. Isso porque, quando o Banco Central eleva a taxa básica de juros (a Selic), o crédito fica mais caro para os produtores rurais, especialmente para os pequenos, o que resulta em redução da produção de alimentos, já que a agricultura familiar tem um peso importante na oferta dos alimentos. Consequentemente, isso vai se expressar em uma elevação dos preços da cesta básica. Além disso, como as empresas do setor alimentício também dependem de crédito para financiar suas operações, a elevação das taxas de juros é repassada para os preços dos alimentos processados no varejo, resultando num aumento da inflação.


A queda na popularidade do presidente

O governo tem grande responsabilidade no aumento dos preços dos alimentos, até mesmo no que se refere às consequências dos eventos climáticos. Durante muitos anos existiam os estoques reguladores para a eventualidade de que problemas climáticos pudessem impactar no índice de preços. Isso funcionava da seguinte maneira: quando ocorriam secas, enchentes ou geadas, que reduziam a produção de determinado produto, o governo utilizava os estoques reguladores para estabilizar a oferta no mercado, evitando uma escalada inflacionária. No entanto, no período Temer e Bolsonaro os estoques reguladores foram praticamente desmantelados, sob o argumento de que o governo deveria se retirar dessa área, a fim de que o mercado passasse a regular a oferta e a demanda da produção agrícola.

Qual é a responsabilidade do atual governo? É a seguinte: mesmo após dois anos de gestão, Lula não reconstituiu os estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em função das pressões do mercado e dos acordos com o agronegócio. Não adianta os apoiadores do governo argumentarem que dois anos é pouco tempo para se reconstruir o que foi destruído no passado. Dois anos de governo significam que ocorreram duas safras nesse período e todos sabem que um País de dimensões continentais como o Brasil, especialmente nesse momento de turbulências climáticas, seria afetado por esses eventos. Portanto, o governo teve todas as condições para reconstruir a Conab e recompor os estoques reguladores dos produtos básicos, mas não fez. Se tivesse enfrentado essa questão como prioridade, não estaríamos testemunhando a inflação dos alimentos, nem a população estaria sendo prejudicada com o aumento dos preços.

Por falar em popularidade, o governo não pode nem reclamar desse descontentamento da população com os rumos da política econômica. Pelo contrário, a população foi até muito paciente e generosa com o presidente, conforme se pode observar na Tabela 3. Ao longo de todo o ano de 2024, mesmo com as medidas impopulares como o arcabouço fiscal, o pacote de redução do reajuste do salário mínimo e do ataque ao BPC, a popularidade de Lula se manteve estável, como ótimo ou bom em torno de 35%, regular entre 30 e 29% e ruim e péssimo também com pouca variação. No entanto, com o aumento da inflação, justamente no preço dos alimentos básicos, a lua de mel entre o governo e a população se deteriorou de maneira brusca, especialmente entre os mais carentes, que era o setor em que Lula tinha o maior apoio, o que levou a uma queda brusca da popularidade do governo.


Tabela 3. Avaliação do governo Lula em 2024, fevereiro - 2025 (%)


mar/24

Jun./2024

Out./2024

Dez./2024

Fev. 2025

Ótimo/bom

35

36

36

35

24

Regular

30

31

29

29

32

Ruim/péssimo

33

31

32

34

41

Não sabem

2

2

3

1

2

Fonte: Data Folha

 

Além disso, a classe trabalhadora se ressente não só do aumento do preço dos alimentos, mas também da enorme informalidade, que atinge 40 milhões de trabalhadores, da precariedade dos serviços públicos, dos problemas na saúde pública, do caos nos transportes, além dos baixos salários. Por isso está frustrada porque a esperança de mudança que depositou no governo não está se materializando em medidas concretas para resolver os principais problemas que afligem a população. A queda na popularidade do presidente pode ser considerada tanto um sinal vermelho na conjuntura quanto uma espécie de último aviso para que Lula reoriente a rota do seu governo. Mas uma mudança de rota parece improvável pela própria natureza do projeto de conciliação de classe, o que indica um período de imensas dificuldades para os trabalhadores e as organizações da esquerda classista.

A queda na popularidade de Lula significa ainda que a paciência da população tem limites e parece que esse limite está se esgarçando com uma velocidade muito grande. Não podemos esquecer que por muito menos ocorreu o levante de 2013. Lula deve entender que a política de conceder compensação social para os mais pobres e rios de dinheiro para os ricos não engana mais ninguém. A população está percebendo que as políticas de compensação social são insuficientes para mudar sua vida e tem servido muito mais como vitrine através das quais o governo busca justificar o conjunto das políticas de favorecimento ao capital, ao mesmo tempo em que endurece as ações contra os trabalhadores, como na recente greve dos professores e funcionários das universidades, onde o governo se comportou como um patrão neoliberal, impondo um reajuste zero para os trabalhadores. 

Além disso, existe uma outra questão: os programas sociais, como o Bolsa Família, por exemplo, já foram incorporados como direito da população e, portanto, não surtem mais os efeitos que surtiram quando de seu lançamento. As pessoas querem mais, querem que as promessas de campanha sejam cumpridas. Lembram-se de que o programa síntese da campanha do Lula era colocar os ricos no imposto de renda e os pobres no orçamento? Lembram-se das promessas de revogar as contrareformas, como a trabalhista e previdenciária? Lembram-se de que era necessário reconstruir o País para servir aos interesses do povo e que Lula dizia que não teria sentido voltar à presidência se não fosse para fazer mais que no governo anterior? Todas essas promessas eram apenas promessas de campanha, como sempre operou a velha política.


Uma conjuntura difícil

Mas agora a situação do governo está se tornando mais dramática, tanto pela conjuntura interna quanto pela situação internacional. Com a posse de Trump as relações econômicas e políticas poderão mudar de qualidade porque os Estados Unidos consideram a América Latina seu quintal e o governo dos Estados Unidos vai procurar exercer de todas as formas sua hegemonia no continente. Em algum momento do passado foi possível o governo conviver com certa autonomia relativa nas relações externas, mas agora a situação mudou de forma brusca e Trump vai procurar de todas as formas enquadrar o Brasil em sua política internacional. E todos sabemos os métodos que o imperialismo utiliza para atingir seus objetivos. Não podemos esquecer que a China é o principal inimigo dos EUA e o Brasil tem no gigante asiático o seu maior parceiro comercial, além do fato de fazer parte dos BRICs e nesse momento exercer a presidência do bloco.

Portanto, teremos uma conjuntura muito tensa no País, principalmente porque o governo Lula está bastante frágil, mesmo com alguns resultados positivos em relação ao emprego e o crescimento econômico. A extrema-direita brasileira está se sentindo mais forte com Trump e vai intensificar as pressões tanto no campo institucional quanto nas ruas. Não podemos subestimá-la, pois o neofascismo tem uma base social bastante ampla, que vai do Parlamento a setores das Forças Armadas e Polícias Militares, igrejas evangélicas, segmentos médios urbanos e até mesmo no proletariado. Essa conjuntura será um campo fértil para conspirações de todo tipo em que tanto a direita clássica quanto a extrema-direita vão intensificar suas ações para desgastar o governo e se colocar como a força antissistêmica e ampliar seu espaço político para se apresentar com viabilidade em 2026.

Mas não podemos deixar de reconhecer que o governo Lula é o principal responsável por seus próprios problemas, porque renunciou à luta ideológica contra a extrema-direita e a terceirizou para o Supremo Tribunal Federal; renunciou à mobilização popular e preferiu os acordos de cúpula com o Centrão para agradar as classes dominantes; apassivou e cooptou a grande maioria dos movimentos sociais, transformando-os em bombeiros sociais sem nenhuma serventia para a luta de classe. E agora está colhendo o que plantou porque não fez nada para alterar a correlação de forças e, como sabemos, a direita sempre age dessa forma: quando mais o governo cede mais ela se torna ousada e cada vez exige mais. Como na política não tem vácuo: a direita e a extrema-direita estão avançando e isso é um problema não só para Lula, mas para toda a população, que é quem mais sofrerá com a possibilidade da volta do bolsonarismo ao governo.

Mesmo levando em conta que a grande maioria das organizações sindicais e do movimento popular estão paralisadas e iludidas com as proclamações da chamada “reconstrução nacional” ou com o lema “deixa o homem governar” ou da luta em abstrato pela democracia, essa conjuntura vai abrir um enorme espaço para a luta social no Brasil porque as bases desses movimentos estão descontentes, conforme demonstram as próprias pesquisas. Como sabemos, as crises são momentos difíceis para todos, mas também abrem imensas possibilidades para quem quer lutar.

Nessa conjuntura complexa é fundamental que as forças classistas e revolucionárias lutem com os seguintes objetivos: a) combater a extrema-direita nas ruas junto com as forças antifascistas; b) colocar na ordem do dia a pauta dos trabalhadores e criticar todas as medidas antipopulares do governo; c) buscar a construção de uma plataforma de unidade das forças classistas e um programa alternativo que rompa o marasmo e a passividade da conjuntura atual;  d) articular um campo político para combater as investidas do imperialismo e de sua quinta coluna no Brasil, em função da nova conjuntura internacional; e) Resgatar a tradição antisistêmica da esquerda revolucionária e seu papel contestador na luta pelo poder popular, de forma a desmascarar as falácias da extrema-direita.

Diante do acirramento da luta de classe que vai emergir dessa conjuntura tensa, em 2025 e nos próximos anos, é fundamental que os setores mais consequentes da luta de classes no Brasil busquem se qualificar como referência para as massas, pois em algum momento o movimento social e popular irá emergir na conjuntura em consequência de suas próprias necessidades. Não podemos ser pegos de surpresa como ocorreu em 2013. É preciso ousadia, criatividade e muito trabalho de base para atuar nessa conjuntura difícil.


*Edmilson Costa é doutor em economia pela Unicamp e secretário geral do PCB

 


[1] Poder 360. O Brasil registra a quinta maior inflação no G20 em 2024.Disponível em: https://www.poder360.com.br. Acesso em 11 de março de 2025.

 

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