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Assim a China encara o desafio de Trump

  • Foto do escritor: Edmilson  Costa
    Edmilson Costa
  • há 13 minutos
  • 9 min de leitura

Em duas semanas de guerra comercial, ficou claro: Pequim responde à brutalidade de Washington com medidas duras — porém, cirúrgicas. Quais são os eixos da resposta. Como exploram a fragilidade dos EUA e podem transformar seu ataque num tiro desastroso pela culatra.


por Fernando Marcelino, em Outras palavras.


Em 2 de abril, chamado de “Dia da Libertação” pelo presidente Trump, ele impôs sobretaxas de 34% sobre o país asiático, valor que se somava aos 20% já impostos anteriormente. No dia 8 de abril, adicionou taxas de 50%, totalizando a estrondosa tarifa de 104%. Em resposta ao primeiro anúncio de Trump de sobretaxa em 2 de abril, o governo chinês anunciou retaliação de 34% sobre as importações americanas — o mesmo valor estabelecido inicialmente pelos EUA. E adicionou 50% — assim como Trump fez – chegando a para 84%. No dia 10 de abril, os EUA colocaram novas tarifas, chegando a 145%, continuando a escalada da guerra comercial.

Se em outros momentos as políticas unilateralistas dos EUA eram sumariamente defendidas e impostas, agora a China representa um competidor com um grande dinamismo econômico e estabilidade política e que está se levantando para transformar “crise em oportunidade” na redefinição do novo sistema de comércio global. Ao anunciar sua última rodada de tarifas sobre exportações dos EUA em 9 de abril, o Ministério do Comércio da China disse que Pequim “tem a firme vontade e os meios abundantes para tomar as contramedidas necessárias e lutar até o fim”.

A expectativa é que economia de US$ 20 trilhões da China deve ser capaz de absorver o impacto das tarifas dos EUA. A China é de longe o país com maiores reservas internacionais do mundo, com mais de US$ 3,2 trilhões. Ela está mais bem preparada do que a maioria dos países para lidar com as consequências das investidas comerciais de Trump.

A resposta chinesa para a “guerra tarifária” de Trump está sendo cautelosa e cuidadosa, com ações cirúrgicas, pensando em seus efeitos de longo prazo. A reciprocidade de tarifas não é o único instrumento à disposição da China para lidar com o protecionismo de Trump. Ela está mobilizando a combinação de várias frentes de ação que pode penalizar os americanos e testar a força da política protecionista do atual comandante da Casa Branca. Destacamos as 10 principais contra-medidas que estão sendo e ainda podem ser utilizadas pela China:

1 – Retaliação sobre empresas: A China incluiu uma série de empresas de defesa e tecnologia dos EUA na Lista de Controle de Exportação e na Lista de Entidades Não Confiáveis, proibindo a exportação de itens de dupla utilização para essas empresas, proibindo-as de se envolver em atividades de importação/exportação ou de fazer novos investimentos na China. São grandes empresas que possuem forte poder de lobby em Washington, o que impulsiona as contradições dos EUA. Outra medida que passa a ser cogitada é o controle de capitais, por exemplo, com a cobrança de tarifa para que empresas americanas instaladas na China remetam dividendos para os Estados Unidos.

2 – Restrição aos produtos agrícolas: A China respondeu às novas tarifas dos EUA anunciando que imporá tarifas adicionais de até 15% sobre as importações de produtos agrícolas dos EUA, incluindo frango, carne suína, soja e carne bovina, e expandiu os controles sobre negócios com importantes empresas americanas. A agricultura representa uma vulnerabilidade estratégica e política para os EUA em disputas comerciais com a China, prejudicando estados agrícolas onde o Partido Republicano domina. A China consome 14% de todas as exportações agrícolas dos EUA. Embora ainda seja o maior mercado para a agricultura dos EUA, as importações chinesas de grãos e outras commodities agrícolas e agronegócios caíram desde 2018, quando Pequim impôs tarifas retaliatórias de até 25% sobre soja, carne bovina, suína, trigo e milho. Dados mostram que a China importou US$ 29,25 bilhões em produtos agrícolas dos EUA em 2024, uma contração de 14% em relação ao ano anterior. A China também começou uma investigação antidumping e a suspensão das importações de certos produtos agrícolas de exportadores específicos dos EUA. As restrições fizeram as ações agrícolas chinesas subiram acentuadamente, com investidores apostando que as tarifas limitariam as importações agrícolas e impulsionariam os produtores indústria agrícola doméstica.

3 – Restrição ao acesso à terras raras: A China impôs restrições à exportação de elementos de terras raras como parte de sua resposta abrangente às tarifas do presidente dos EUA, reduzindo o fornecimento ao Ocidente de minerais usados ​​para fabricar armas, eletrônicos e uma variedade de bens de consumo. A China produz cerca de 90% das terras raras do mundo, um grupo de 17 elementos usados ​​nas indústrias de defesa, veículos elétricos, energia e eletrônicos. O domínio da China no mercado global deve-se, em grande parte, ao seu monopólio no processamento de terras raras pesadas essenciais, como disprósio e térbio, bem como de terras raras leves, como neodímio e praseodímio. Quando Deng Xiaoping percebeu a importância crítica das terras raras na década de 1980, ele deu início ao processo para alcançar o domínio estratégico do mercado. A China criou um vasto ecossistema em torno desses minerais ao longo dos anos, supervisionando todas as fases, desde a extração até a criação de produtos acabados, especialmente ímãs de terras raras, essenciais para setores como energia renovável, veículos elétricos e tecnologias de defesa. A China atualmente possui uma vantagem significativa no controle das cadeias de suprimentos desses minerais vitais. Os Estados Unidos têm apenas uma mina de terras raras e a maior parte de seu suprimento vem da China. A China foi responsável por 70% das importações americanas de compostos e metais de terras raras entre 2020 e 2023. As restrições à exportação incluem não apenas minerais extraídos, mas também ímãs permanentes e outros produtos acabados que serão difíceis de substituir. Segundo o Ministério do Comércio da China, esses minerais incluem samário, gadolínio, térbio, disprósio, lutécio, escândio e ítrio. O samário é usado em lasers, ímãs poderosos e como absorvedor de nêutrons em reatores nucleares; o gadolínio é usado em máquinas de ressonância magnética; o térbio é usado em sensores eletrônicos e alto-falantes; o disprósio também é usado em barras de controle para reatores nucleares; o lutécio e o escândio são usados ​​principalmente em pesquisas; e o ítrio é usado em ligas de aço e alumínio como agente de fortalecimento, mas também tem aplicações em radares e fósforos para LEDs. Presumivelmente, os fabricantes têm estoques, então acreditamos que os efeitos colaterais dessas mudanças não serão imediatos. Porém, a restrição à estes materiais pode inviabilizar qualquer iniciativa de reindustrialização nos EUA, pois afeta diretamente a fabricação de armas, eletrônicos e uma variedade de bens de consumo e alta tecnologia. Qualquer avanço industrial e tecnológico pode sofrer significativamente se o fornecimento desses recursos for interrompido. Assim, Washington será obrigada a construir novas cadeias de suprimentos de terras raras fora da China, fortalecendo alianças com países como Brasil, Índia, Austrália, Canadá e vários estados europeus. Prevê-se que o aumento da competição estratégica no futuro de minerais vitais caracterize as relações dos EUA com a China neste domínio. Como ambos os países buscam estabelecer controle sobre esta indústria crucial, essa dinâmica impactará os padrões do comércio internacional, criará novas alianças e mudará as cadeias de suprimentos globais. 

4 – Saída de Wall Street: As cinco gigantes estatais China Life Insurance, PetroChina, China Petroleum & Chemical, Aluminium of China e Sinopec Shanghai Petrochemical, que somam juntas US$ 370 bilhões em capitalização de mercado anunciaram que vão retirar seus ADR (certificados de depósitos americanos). A Didi Global já tinha deixado a Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) em junho, enquanto o Alibaba (BABA34) informou nos últimos dias que a Bolsa de Valores de Hong Kong será sua “listagem primária”. Outras duzentas empresas também estão prestes a deixar o mercado financeiro americano. Com esse movimento, a expectativa é que o mercado perca rapidamente a fé nos ativos norte-americanos. Em vez de se voltarem para o dólar ou para títulos americanos, que seriam territórios seguros em momentos de instabilidade, agora os investidores internacionais estão acelerando um processo de desdolarização num ritmo acelerado.

5 – Crédito para o mercado: Para mitigar o impacto das tarifas, Pequim provavelmente se concentrará em estímulos internos. Dinheiro não vai faltar na China. No começo desse mês, o Banco Central de Pequim cortou surpreendentemente as taxas de juros de 10 pontos base, para 2,75%, abrindo contextualmente as torneiras da liquidez. Espera-se mais reduções nas já baixas taxas de juros da China, juntamente com mais empréstimos por parte dos governos locais e assistência aos trabalhadores exportadores afetados. Devem ser criados mais estímulos, de aproximadamente 3 trilhões de yuans (US$ 411 bilhões) em títulos especiais do Tesouro de longo prazo e de 4,5 a 5 trilhões de yuans em títulos de propósito específico de governos locais. Também serão introduzidas medidas para impulsionar os gastos do consumidor e incentivar a inovação do setor privado.

6 – Diversificação comercial: A China deve fortalecer laços com seus parceiros comerciais para atingir uma meta de crescimento de cerca de 5%. Deve aumentar discretamente as exportações para parceiros, particularmente no Sul Global, por meio de medidas como empréstimos e alívio da dívida.

7 – Restrições para indústria cinematográfica de Hollywood: O governo chinês está estudando a redução ou proibição da importação de filmes dos EUA. A China é o segundo maior mercado cinematográfico no mundo e, por isso, a medida poderia representar um grande baque para os estúdios americanos. Em 2024, os filmes dos EUA arrecadaram cerca de US$ 585 milhões na China. Isso representa cerca de 3,5 por cento do total de US$ 17,71 bilhões de bilheteria da China. A bilheteria total dos EUA e Canadá no mesmo período foi de cerca de US$ 8,56 bilhões.

8 – Câmbio: a taxa de câmbio na China é administrada pelo governo. Normalmente, o banco central chinês evita grandes oscilações da moeda. Mas também pode fazer uso da política cambial para defender os interesses locais em situações extremas, como acontece agora. Dessa forma, a China pode permitir a desvalorização do yuan, reduzindo assim os preços de exportação e compensando algumas das perdas com tarifas.

9 – Venda de títulos da dívida pública americana: A China é o segundo maior detentor desses papéis. Nos últimos sete meses, o governo de Pequim já vendeu 10% de sua carteira total de títulos da dívida pública americana (Treasury), cerca de US$ 113 bilhões. Agora são US$ 761 bilhões, segundo o último relatório do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Em primeiro lugar está o Japão, com US$ 1,08 trilhão. Em terceiro está o Reino Unido, com US$ 740 bilhões. O Brasil detém US$ 200 bilhões em títulos da dívida dos Estados Unidos. A venda dos títulos chineses está sendo chamado de “bomba atômica financeira”, podendo levar a drásticas consequências.

10 – Novo sistema internacional de pagamentos: A China fez um movimento estratégico e silencioso em pagamentos internacionais. O Banco Popular da China (PboC) anunciou que seu sistema digital de liquidação transfronteiriça em RMB será totalmente conectado às dez nações da ASEAN e seis países do Oriente Médio, o que implica que cerca de 38% do comércio global poderá ignorar a rede SWIFT dominada pelo dólar americano. Ao contrário do SWIFT, onde as transações levam de 3 a 5 dias e envolvem múltiplos intermediários, a moeda digital chinesa está pronta para fazer a ponte e reduzir o tempo de processamento para apenas alguns segundos. A velocidade e a transparência do sistema estão forçando uma reavaliação das estruturas dependentes do dólar, especialmente em mercados emergentes. Sua arquitetura de blockchain aplica protocolos antilavagem de dinheiro automaticamente, reduzindo os riscos de fraude e mantendo a rastreabilidade. Essa eficiência já atraiu 23 bancos centrais, com traders de energia do Oriente Médio relatando uma queda de 75% nas despesas de liquidação. A estratégia da China se estende além dos pagamentos. O RMB digital é entrelaçado em projetos de infraestrutura como a Ferrovia China-Laos e a Ferrovia de Alta Velocidade Jacarta-Bandung, formando uma “Rota da Seda Digital” que combina fluxos de moeda com corredores comerciais. Ao implementar rapidamente o RMB digital nas economias da ASEAN e do Oriente Médio — cobrindo 38% do comércio global — a China efetivamente armou a tecnologia blockchain para desafiar o domínio do SWIFT e do dólar. Isso sinaliza uma mudança tectônica nas finanças globais com implicações profundas para o Ocidente e o dólar americano.

Para Pequim, uma liderança forte do Partido Comunista Chinês e o fortalecimento da resiliência econômica e tecnológica da China contra choques externos são mais necessários do que nunca — e a única maneira de garantir a ascensão da China a longo prazo. Mesmo que a China não consiga infligir tanta dor aos EUA quanto recebe, já que tem um grande superávit comercial e, deixando de lado as terras raras, ainda tem muito a perder com os controles de exportação, ela está se preparando para um longo período de tensões comerciais na esperança de sobreviver aos EUA. A principal prioridade é manter a contenção e a próxima é usar métodos assimétricos. É uma questão de quem pode resistir mais tempo.

No ocidente, faz décadas que economistas renomados e “especialistas” vem o colapso iminente da economia chinesa. Agora, é a economia dos EUA que está em apuros à vista de todo mundo. Trump e seus assessores podem pensar que impor tarifas neste momento é pressionar a China, enviando um sinal, mas isso sairá pela culatra e a China inevitavelmente responderá fortemente.

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